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Folha de S. Paulo | O edifício da rua General Jardimfechar ×

 

 

Texto a seguir extraído da publicação do jornal físico e digital da Folha de São Paulo (05 de abril de 2019), no link.

 

Projetos do Minha Casa em São Paulo refletem visões de cidades antagônicas.

Enquanto edifício no centro tem arquitetura assinada e uso misto, zona norte terá bairro planejado.

por Francesca Angiolillo

 

São Paulo. Três praças com playground e wi-fi. Centro comercial no condomínio. Câmeras na alameda principal conectadas diretamente à base policial mais próxima.

Edifício assinado por arquiteto, com comércio no térreo, perto de opções de serviço e lazer, área verde e transportes, para viver o centro a pé.

Os empreendimentos descritos apontam para visões antagônicas de cidade que hoje disputam espaço no mercado imobiliário. O que os une é serem financiados pelo Minha Casa Minha Vida (MCMV).

É certo que nenhum deles se destina às camadas D e E da população, atendidas pelas faixas 1 e 1,5 do programa federal, que completa dez anos com diminuição no orçamento e corte nos repasses aos grupos de renda mais baixa.

O primeiro, bairro planejado da MRV em Pirituba, atende a compradores com renda familiar mensal bruta de até R$7.000; o segundo, da Magik JC, na Vila Buarque, aos que recebem até seis salários mínimos, cerca de R$6.000.

Dados da Câmara Brasileira da Indústria da Construção indicam que o MCMV representa dois terços do mercado imobiliário brasileiro.

Marcos Boldarini, 44, arquiteto reconhecido pelo setor de habitação social, vê no programa o “grande portão da pirâmide”, que introjeto “parte dos anseios dessa classe média”.

De um lado, o discurso da segurança dos grandes condomínios; de outro, o desejo de se apropriar da cidade.

Foi mirando o segundo grupo que, por volta de 2015, o engenheiro civil André Czitrom, 35, ajudou a redefinir a incorporadora fundada por seu pai, Josef, há 47 anos.

Por um lado, diz, ele se sentia “um pouco incomodado com a forma como o setor atuava, agressivo ao lidar com o encontro”. Por outro, a Magik JC tinha experiência em imóveis para baixa renda, mas encontrava nas franjas da cidade muita competição.

Foi quando André propôs ao pai fazer MCMV na região “que precisa e onde se exigia isso – arquitetos, acadêmicos pensadores, sempre se falava no adensamento do centro”.

Hoje o cerne da Magik é essa linha de empreendimentos, batizados como Bem Viver. Compraram terrenos no centro para tocar mais de um produto ao mesmo tempo.

Assim, se não podiam rentabilizar na escala de cada empreendimento, dados os lotes menores, ganharam no conjunto, comprando insumos e contratando construtoras para mais de uma obra.

Hoje a incorporadora dos Czitrom busca investir num aspecto normalmente alheio aos empreendimentos de mercado para classe C — o  da arquitetura assinada.

O primeiro projeto nessa linha está em desenvolvimento na R. General Jardim, na Vila Buarque. A poucos passos da praça Rotary, o projeto representa um desafio para o coletivo SIAA, como recapitula o arquiteto Shundi Iwamizu, 43.

O primeiro partido, diz Iwamizu, foi fazer “um prédio sem muro, como os do entorno”.

Os apartamentos, de um ou dois dormitórios, terão de 25 a 34 m² de área, sem suíte e sem garagem –subsolos consomem tempo e custam caro. Da rua, a perspectiva se abre até o fundo do lote; haverá loja no térreo e horta coletiva.

Formado pela FAU-USP, Iwamizu conta como foi se adaptar a parâmetros que não estavam no rol de preocupações habituais do escritório.

É preciso seguir padrões determinados pela Caixa Econômica Federal, financiadora do programa – por exemplo para eficiência energética. Tudo o que puder resultar em aumento do custo de manutenção deve ser descartado.

Iwamizu diz que o projeto faz a “defesa de uma arquitetura anônima”, em que, se a fachada não pode ser como sonha o autor, nem por isso o conjunto será mau.

Milton Braga, 55, está entre os arquitetos com os quais a Magik pretende trabalhar; está em estudo um edifício na av. Dom Pedro 1°, perto do parque da Independência.

Sócio do escritório MMBB, que, como Boldarini, tem larga experiência em moradia social, diz que “infelizmente a maior parte da população brasileira tem medo da cidade”.

Assim, tende a preferir o modelo de empreendimento da MRV – que, de resto, se alinha com o entorno onde se insere, já marcado por condomínios de muitas torres.

Cerca de 20 mil pessoas devem habitar 7.296 apartamentos de dois quartos e 43 m², ao preço médio de R$ 230 mil, em 51 edifícios. Cada empreendimento terá edifício-garagem — uma vaga por apartamento.

Segundo o Plano Diretor de 2014, todo empreendimento com mais de 20 mil m² tem de oferecer contrapartidas em infraestrutura urbana e doações de áreas. O terreno do Grand Reserva, que foi do Banespa, tem 69 mil m². Além da duplicação da avenida, a MRV ofereceu também construir uma creche e uma base da PM.

“É uma preocupação com o bairro”, diz Rodrigo Pereira, gestor-executivo comercial da MRV – além de uma forma de garantir que as áreas doadas não ficariam sem uso, o que desvalorizaria o conjunto.

As praças também são de uso público e serão entregues equipadas à prefeitura, que se encarregará da manutenção.

Empreendimentos que criam espaços fechados tendem, recorda Milton Braga, a alimentar o círculo vicioso pelo qual “a cidade abandonada vira uma cidade perigosa e, então, mais abandonada”.

Nesse sentido, projetos como os da Magik beneficiariam uma visão de “cidade compacta, mista, densa – e, tomara, plural”. “Para diminuir as assimetrias sociais, a aproximação das rendas no espaço urbano é muito eficaz.”

O MCMV completa sua primeira década com grandes restrições. O orçamento para o ano é de R$ 4,1 bilhões, e o Ministério do Desenvolvimento Regional enfrenta contingenciamento. Consultada sobre o baque que isso pode representar, a MRV e a Magik JC responderam de forma proporcional a de seus negócios.

A MRV, que menciona em propagandas que 1 em 200 brasileiros mora num imóvel seu, afirma que “o total de investimentos feito pelo governo” nas faixas em que atua “é muito baixo”. “Além disso, o subsídio que é dado acaba ao longo da cadeia sendo revertido em impostos que superam o valor de incentivo, tornando-o sustentável como negócio.”

André Czitrom responde como quem está à frente de uma equipe enxuta. “Se um projeto for aprovado e não houver doação, será preciso esperar voltar a dotação. Ou buscar uma alternativa que independa da Caixa Econômica.”

 

REGRAS DO MCMV

Faixa 1 Famílias com renda de até R$ 1.800; subsídios de até 90% do valor do imóvel, que não pode custar  mais de R$96 mil; não há juros

Faixa 1,5 Renda familiar de até R$ 2.600; subsídio de até R$ 47,5 mil, em imóveis de até R$ 144 mil; taxa de juros de 5% ao ano

Faixa 2 Renda de até R$ 4.000; subsídio de até R$ 29 mil, em unidades de R$ 240 mil; juros entre 5,5% e 7% ao ano

Faixa 3 Renda de até R$ 9.000; não há subsídio, mas juros, de até 9,16%, são abaixo dos de mercado; unidades de até R$ 300 mil

 

As empresas têm de cruzar as regras do programa federal e a lei local; há diferentes normas construtivas e faixas de valor de imóvel e de financiamento; por exemplo, pelo MCMV não é possível englobar toda a faixa HMP paulistana, que permite renda de até 16 salários mínimos.