IPHAN Brasíliafechar ×
Ficha técnica
Ano de projeto: 2006
Arquitetura:
Anderson Fabiano Freitas
Cesar Shundi Iwamizu
Cristina de Brito
Moracy Amaral
Pedro Amando de Barros
Tiago Oakley
Brasília, DF, Brasil
“Visto que eu criei os estados de pintura imaterial, (…) Visto que inventei a arquitetura e o urbanismo do ar – (…) o artista do futuro não será aquele que, através do silêncio, mas eternamente, exprimirá uma imensa pintura à qual faltará toda a noção de dimensão?”
Yves Klein, Le Manifeste de l’hôtel Chelsea, 1961 [tradução livre]
Para Babelon & Chastel, “o patrimônio, no sentido em que o entendemos hoje, na linguagem oficial e no uso comum, é uma noção bem recente, que cobre de maneira necessariamente vaga todos os bens, todos os “tesouros” do passado. De fato, esta noção comporta um certo número de camadas superpostas que seria útil distinguir”(1). Para Dias de Andrade, as mudanças na noção de patrimônio cultural, na história brasileira, apontam inelutavelmente para a incorporação ao conceito de “uma gama importantíssima de comportamentos, de fazeres, de formas de percepção inseridos na dinâmica do cotidiano”(2), para além dos chamados “bens culturais consagrados”(3). Para o IPHAN, a esta altura de sua história, uma nova sede vem agora selar sua (dura) consolidação como instituição nacional, construída, esta sede, no interior (ou extremo?)(4) de uma cidade que encarna, como poucas, todos os paradoxos e dificuldades do tombamento arquitetônico – cidade que funciona normalmente, como cidade do presente. Não que o IPHAN seja um órgão dado à mera proteção de objetos de arquitetura assim tradicionalmente compreendidos (embora tenha nascido bastante marcado por essa égide): é bem evidente que a complexificação histórica das noções de patrimônio cultural (nacional e universal), com a entrada em cena, inclusive, das preservações e tombamentos imateriais (a que aludem Chastel e Andrade), representa uma nova dinâmica que a nova sede do iphan deve necessariamente refletir e incorporar – porque tem, já, e terá, sempre mais, reflexos incontornáveis em suas atividades normais de ente público gestor do comum. O discurso parece assustar, pelo que tem de aparentemente ultrapassado: ainda segundo Chastel, na França um debate dessa natureza travou-se há 180 anos; por aqui dá impressão de permanecer aberto e fresco (no máximo retomando inquietações da geração que fundou “o Patrimônio” no Brasil, nos termos administrativos que lhe concederam os franceses, como é sabido). Formar um sistema nacional de gestão e dinâmicas culturais é o sentido do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional: e é a este sentido que este edifício se molda(5).
No mais, o maior patrimônio arquitetônico de Brasília é Brasília. Seu maior patrimônio ambiental é o cerrado que a cerca (e, por vezes, penetra). Seu maior patrimônio imaterial é, quem sabe, seu céu. Por esses motifs, o edifício que aqui se propõe vem organizado por fáceis princípios (e correspondentes): fazer ver Brasília; sublinhar o cerrado; refletir (sobre) o céu. Estes são três compromissos com a descrição. O quarto princípio é o termo final de um comprometimento (também ele histórico) – compromisso com a discrição: na testa (ou rabeira) de uma cidade como esta, com tamanha carga simbólica e plástica, não cabem volumes aberrantes. Essa sede do IPHAN é fatalmente uma intervenção na paisagem: do mesmo modo que vê (a cidade), será também vista (por ela).
1. Babelon, Jean-Pierre & Chastel, André. La notion de patrimoine. Paris: Liana Levi, 1994. [traduções livres]
2. Dias de Andrade, Antonio Luis (Janjão). “Resumo histórico do IPHAN”. Iphan, mimeo, s/d.
3. id op cit
4. Vale notar o alinhamento entre o lote do IPHAN (futuro) e um prolongamento do EIXO MONUMENTAL. Com quase meio século de atraso, o edifício do Patrimônio vai surgir, enfim, na testa (ou rabeira?) do “Plano Piloto”. A visitação ao lugar revela, de chofre, que o sítio encara Brasília. Dez metros acima do chão, e vê-se a cidade (de frente – ou de costas?).
5. Nas suas exigências de programa, o próprio edital da encomenda revela, de modo bastante evidenciado, a multiplicação das responsabilidades institucionais relativas ao órgão. O que se quer, aqui, é apenas enfatizar que o projeto apresentado foi pensado em sintonia com a consciência dessa complexificação histórica.